Carlos Estrela & Jesus Djalma Pécora
CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DO HIDRÓXIDO DE CÁLCIO

O hidróxido de cálcio apresenta-se como um pó branco, alcalino ( pH 12,8 ), pouco solúvel em água (solubilidade de 1,2 g/litro de água, à temperatura de 25º C). Trata-se de uma base forte obtida a partir da calcinação ( aquecimento) do carbonato de cálcio, até sua transformação em óxido de cálcio (cal viva). Com a hidratação do óxido de cálcio chega-se ao hidróxido de cálcio e a reação entre este e o gás carbônico leva à formação do carbonato de cálcio, podendo tais reações assim serem representadas:
 

As propriedades do hidróxido de cálcio derivam de sua dissociação iônica em íons cálcio e íons hidroxila, sendo que a ação destes íons sobre os tecidos e as bactérias explicam as propriedades biológicas e antimicrobianas desta substância.

As alterações nas propriedades biológicas podem também ser esclarecidas pelas reações químicas demonstradas, uma vez que o hidróxido de cálcio na presença de dióxido de carbono transforma-se em carbonato de cálcio apresentando características químicas de um óxido ácido fraco. Este produto formado é desprovido das propriedades biológicas do hidróxido de cálcio, como a capacidade mineralizadora (ESTRELA & PESCE, 1996; ESTRELA et al.,1997).

ESTRELA & PESCE (1996) analisando quimicamente a liberação de íons hidroxila do  hidróxido de cálcio, salientaram a obtenção das porcentegens de íons hidroxila:
 

Levando-se em conta o peso molecular do hidróxido de cálcio,  74.08, por meio de uma regra de três, obtem-se a porcentagem de íons hidroxila encontrados no hidróxido de cálcio, que corresponde a 45.89%, enquanto que 54.11% corresponde aos íons cálcio.
 

Desta forma, quando se coloca hidróxido de cálcio no canal radicular, 45.89% e 54.11% se dissociam respectivamente em íons hidroxila e íons cálcio. Os autores também estudaram a liberação de íons cálcio e a formação de carbonato de cálcio em implantes de tubos contendo hidróxido de cálcio associado a veículos hidrossolúveis (solução fisiológica, solução anestésica e polietileno glicol 400), em tecido conjuntivo de cão. A análise foi realizada em intervalos de 7, 30, 45 e 60 dias,  como está demonstrado nas Tabelas 1 e 2.

Algumas particularidades químicas decorrentes desta dissociação iônica foram observadas em diferentes experimentos. SCIAKY & PISANTI (1960) e PISANTI & SCIAKY (1964) verificaram a origem dos íons cálcio presentes na ponte dentinária, não conseguindo observá-los quando da proteção de polpas dentais expostas de cães com hidróxido de cálcio contendo cálcio radioativo (Ca45), nem quando da injeção intravenosa, em cão, de solução contendo este mesmo hidróxido de cálcio radioativo.

Em contrapartida, vários trabalhos evidenciaram a participação ativa dos íons cálcio do hidróxido de cálcio em mineralizações (barreira de dentina ), osteocementárias (selamento biológico apical), nos túbulos dentinários e em outras áreas envolvidas em mineralizações (EDA, 1961; HOLLAND, 1971; HEITHERSAY, 1975; HOLLAND et al., 1978; HOLLAND et al., 1982; PASHLEY et al., 1986; SEUX et al., 1991; WAKABAYASHI et al., 1993).

EDA (1961) estudou, por meio de análise histoquímica, o mecanismo de formação de dentina após proteções pulpares diretas em dentes de cães frente à ação de pastas de hidróxido de cálcio, de óxido de magnésio, de fluoreto de zinco e de fluoreto de cálcio. Relatam, os autores, após período de observação de 30 minutos a 60 dias, que no período inicial a formação de dentina é vista pelo aparecimento de partículas extremamente finas, com reação positiva à coloração de Von Kossa e localizadas subjacentes à camada de necrose. Estas granulações observadas originam-se a partir da reação do metal do material capeador com o dióxido de carbono tecidual. Além do mais , tanto o óxido de magnésio como o hidróxido de cálcio mostraram potentes efeitos sobre a formacão de nova dentina. No entanto, relativamente ao óxido de magnésio, SOUZA et al.(1972), após estudo morfológico do comportamento da polpa dentária após pulpotomia e proteção com óxido de magnésio ou hidróxido de cálcio, relatam ser remota a possibilidade de obtenção de reparo quando do emprego do óxido de magnésio. Nas polpas dentais protegidas com hidróxido de cálcio houve maior eficácia, o que testemunha contra falhas técnicas, que poderiam ter ocorrido com o tratamento de óxido de magnésio.

De sua parte, HOLLAND ( l971) analisou  o processo de reparo da polpa dental após pulpotomia e proteção com hidróxido de cálcio, em estudo morfológico e histoquímico em dentes de cães. Advoga, o autor, que na zona granulosa superficial, interposta entre a zona de necrose e a zona granulosa profunda, ocorreu a presença de granulações grosseiras, dotadas de sais de cálcio, parte das quais constituída por carbonato de cálcio sob a forma de calcita, bem como por complexos cálcio-proteínas. Nessa fração mineral, houve reação positiva ao ácido cloranílico e ao método de VON KOSSA e resultados semelhantes foram obtidos, posteriormente, por SEUX et al. (1991).

Relativamente à importância dos íons cálcio do hidróxido de cálcio, HEITHERSAY (1975) admite que tais íons possam reduzir a permeabilidade de novos capilares em tecido de granulação de dentes despolpados, diminuindo a quantidade de líquido intercelular. Para mais, esclarece que uma alta concentração de íons cálcio pode ativar a aceleração da pirofosfatase, membro do grupo das enzimas fosfatases, que também constitui função importante no processo de mineralização.

HOLLAND et al. ( 1982 ) avaliaram o efeito dos hidróxidos de cálcio, de bário e de estrôncio, após capeamento pulpar, valendo-se de análise histoquímica de polpas dentais de cão. Frente aos resultados obtidos, os autores salientam que as observações, nos grupos do hidróxido de bário e de estrôncio, foram similares as do hidróxido de cálcio, havendo deposição de granulações de carbonato de bário e estrôncio, semelhantes às granulações observadas com o hidróxido de cálcio. Em decorrência da inexistência de bário ou estrôncio naturalmente no organismo do animal, estas granulações originam-se do material de capeamento. Relatam, ainda, que as largas granulações birrefrigerantes não são observadas com outros hidróxidos, como o hidróxido de magnésio ou sódio, pelo fato da reação de precipitação somente ocorrer para hidróxidos com solubilidade similar à do hidróxido de cálcio. O hidróxido de magnésio é insolúvel e o de sódio é altamente solúvel nos fluidos pulpares. O hidróxido de bário é levemente mais solúvel que o de estrôncio, fato este que é observado pelas granulações de hidróxido de bário serem encontradas mais profundamente do que as do hidróxido de estrôncio.

PASHLEY et al. ( 1986 ), estudando o efeito do hidróxido de cálcio na permeabilidade dentinária,  evidenciaram que ocorre aumento da concentração de íons cálcio, provenientes do hidróxido de cálcio, no interior dos túbulos dentinários e este bloqueio físico promove a redução da permeabilidade dentinária.

WAKABAYASHI et al. ( 1993 ), servindo-se da microscopia eletrônica de varredura e de um microanalisador de dispersão de energia de RX ( EDX ), avaliaram o mecanismo de calcificação distrófica induzida pelo hidróxido de cálcio no tecido conjuntivo da câmara auricular de coelho. As interações entre microvasos  e o hidróxido de cálcio foram observadas imediatamente após a aplicação e, continuamente por 14 semanas. Os resultados revelaram, nas fases inciais da reação tecidual, a formação de uma camada necrótica e calcificações vistas como precipitação rápida de cristais por neutralização e seu pronto crescimento em uma barreira ( calcificação distrófica ). Observaram, ainda, que o cálcio e o fósforo adicionais depositaram-se diretamente sobre as partículas do precipitado. Ademais, constataram que os precipitados dos espécimes de 24 horas mostraram não somente um pico de cálcio como também fracos picos de fósforo, enxofre e / ou magnésio, nas porções fundidas entre os cristais e, sugerem que, tais precipitados teriam o potencial de induzir calcificação distrófica do tecido, o que está de acordo com os achados de HOLLAND et al. ( 1982 ).

ESTRELA et al. (1997) avaliaram a presença de carbonato de cálcio em diferentes amostras de hidróxido de cálcio (Quimis, USA; PT Baker, USA; Calen, SSW, Brasil; Vigodent S.A., Brasil; Biodinâmica, Brasil; Merk, USA; Inodon, Brasil), determinado a partir do método de volumetria de neutralização, pelo uso de indicadores alaranjado de metila e fenolftaleína, titulado com ácido clorídrico (0,0109 mol.L -1). As amostras eram obtidas de diferentes procedências de clínicas privadas de especialistas em endodontia, que estavam sendo empregadas por período superior a 2 anos. Os resultados mostraram que nas amostras examinadas, o percentual de transformação do hidróxido de cálcio em carbonato de cálcio foi pequeno, variando de 5% a 11%, sendo que os melhores resultados foram os obtidos com as amostras da Quimis - 5% e da Pt Baker - 6%.

Por outro lado, a difusão dos íons hidroxila do hidróxido de cálcio confere atividade antibacteriana, sendo que, quando empregada com medicação intracanal, esta substância altera o metabolismo enzimático das bactérias, a partir da influência de um gradiente de pH existente na membrana citoplasmática .

Neste particular, diferentes trabalhos preocuparam-se com a difusão de íons hidroxila através da dentina ( TRONSTAD et al., 1981; WANG & HUME, 1988; FUSS et al., 1989, 1996; NERWICH et al., 1993; FOSTER et al., 1993; ESTRELA et al., 1995; GOMES et al., 1996; REHMAN et al., 1996; ESTRELA et al., 1997 ).

TRONSTAD et al. ( 1981 ) analisaram a difusão de íons hidroxila do hidróxido de cálcio através dos túbulos dentinários e o possível aumento do pH nos tecidos. Vinte e sete dentes incisivos superiores e inferiores de macacos com rizogênese incompleta e completa foram utilizados. Em 12 dentes, um instrumento endodôntico foi introduzido por várias vezes no canal radicular até a área apical e os outros 15 dentes foram extraídos, mantidos secos por 1 hora e reimplantados. Decorridas 4 semanas quando a necrose pulpar havia ocorrido em todos os dentes, os canais radiculares foram instrumentados e preenchidos com pasta de hidróxido de cálcio e solução Ringer. Os grupos controle foram constituídos de 8 dentes que não receberam o tratamento do canal radicular e 5 dentes com polpas vitais. Extraindo os dentes após diferentes períodos e determinando, por meio de indicadores de pH, o pH dos tecidos dentais após a colocação da pasta, verificaram que os dentes reimplantados e não reimplantados com formações radiculares completas e tratados com pasta de hidróxido de cálcio mostraram valores de pH na dentina próxima à polpa de 8,0 a 11,1 e, na dentina periférica de 7,4 a 9,6. Nos dentes com formações radiculares incompletas, toda dentina mostrou pH 8,0 a 10,0 e o cemento 6,4 a 7,0, ou seja, não influenciado pelo hidróxido de cálcio. Nas áreas de reabsorção nas superfícies dentinárias expostas, pH alcalino entre 8,0 e 10,0 foi observado. Os dentes não tratados e com necrose pulpar apresentaram pH  6,0 a 7,4 na polpa, dentina, cemento e ligamento periodontal. Frente aos resultados, concluíram os autores que a colocação de hidróxido de cálcio no canal radicular poderia influenciar as áreas de reabsorção, impossibilitando a atividade osteoclástica e estimulando o processo reparacional. A presença de íons cálcio é necessária para a atividade do sistema complemento na reação  imunológica e a abundância de íons cálcio ativa a ATPase (Adenosina trifosfatase) cálcio dependente, à qual esta associada a formação de tecido duro

NERWICH et al. (1993) estudaram as mudanças de pH na dentina radicular de dentes humanos extraídos, por período de tempo de 4 semanas, após a utilização do hidróxido de cálcio como medicação intracanal. Concluíram que esta substância requer de 1 a 7 dias para alcançar a dentina radicular externa e que, no terço cervical, manifestam-se valores mais altos de pH, quando comparado com o terço apical.

ESTRELA et al. (1995) analisaram in vitro, com auxílio de método colorimétrico e uso de solução indicadora universal, a difusão dentinária de íons hidroxila de pastas hidrossolúveis de hidróxido de cálcio, em atmosfera inerte de nitrogênio. Os autores observaram que em períodos de 7, 15, 30, 45 e 60 dias, poucas foram as modificações do pH na luz do canal radicular e na superfície externa do cemento. Nas pastas cujos veículos empregados foram soro fisiológico e o anestésico, o pH a 2mm do vértice apical e na superfície do cemento, aos 30 dias, estava em torno de 7 a 8, permanecendo inalterado até aos 60 dias. No grupo em que o veículo era o polietileno glicol 400, observou-se um pH de 7 a 8 no cemento apical, somente aos 45 dias, sendo que também em nada alterou aos 60 dias. Internamente, na luz do canal radicular, todas as pastas utilizadas apresentaram-se com um alto pH, por volta  de 12,0 durante o período de observação.

ESTRELA & SYDNEY (1997) analisaram in vitro a influência do EDTA no pH da dentina radicular durante  trocas de pasta de hidróxido de cálcio. Trinta incisivos centrais superiores de humanos foram preparados com técnica escalonada associada ao emprego de brocas de Gates-Glidden. O hipoclorito de sódio a 1% foi utilizado como solução irrigadora e após a secagem dos canais empregou-se EDTA durante 3 minutos. A seguir, os canais foram novamente irrigados com hipoclorito de sódio e completamente preenchidos com pasta de hidróxido de cálcio, usando solução fisiológica como veículo. A análise da difusão dentinária de íons hidroxila foi realizada por meio de um método colorimétrico, utilizando solução indicadora universal. A análise foi feita em intervalos de 7, 15, 30, 45, 60 e 90 dias, sendo que após cada período, empregou-se EDTA por 3 minutos antes do completo preenchimento dos canais radiculares com pasta de hidróxido de cálcio. Os resultados mostraram mudanças no pH de 6-7  para 7-8 após 30 dias, permanecendo inalterado até 90 dias nos terços apical e médio. No terço cervical a mudança de pH foi de 6-7 para 7-8 após 30 dias, mantendo-se neste nível até 60 dias, e alterando-se de valores 7-8 para 8-9 até 90 dias. Não houve diferanças significativas entre os terços e os tempos analisados.

WebMasters: Jesus Djalma Pécora, Danilo M. Z. Guerisoli e Carlos Estrela.
Copyright 04 de novembro de 1997.

Esta página foi elaborada com apoio do Programa Incentivo à Produção de Material Didático do SIAE - Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação da USP.
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