ARTROSCOPIA DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR: REVISÃO DE LITERATURA


ARTHROSCOPY OF THE TEMPOROMANDIBULAR JOINT: A LITERATURE REVIEW

 

Renato Uetanabara
Marcelo Oliveira Mazzetto**
Takami Hirono Hotta***


UETANABARA, R.; MAZZETTO, M.O.; HOTTA, T. H. Publicado na Revista Odontológica do Brasil Central (ROBRAC), v. 10, n. 29, p.14-16, Jun. 2001.


 

A artroscopia da articulação temporomandibular (ATM) é uma técnica relativamente recente que é utilizada como método de diagnóstico e/ou tratamento das disfunções articulares que envolvem a articulação temporomandibular. Este artigo busca, por meio de revisão de literatura, salientar as principais indicações da técnica, as vantagens sobre a cirurgia aberta (artrotomia), os materiais e instrumentais utilizados, as principais complicações decorrentes da técnica cirúrgica e uma rápida revisão do procedimento cirúrgico propriamente dito.

UNITERMOS: Artroscopia, articulação temporomandibular.

The arthroscopy of the temporomandibular joint (TMJ) is a relatively new technique which is utilized as diagnostic method and/or treatment of joint dysfunctions involving the temporomandibular joint. By means of literature review, this article intend to point out the main technique indications, the advantages on open surgery (arthrotomy), the materials and instruments used, the main complications stemming from surgical techniques and a rapid review of the surgical procedure per se.

UNITERMS: Arthroscopy, temporomanibular joint.



1-INTRODUÇÃO:
Artroscopia é uma técnica de inspeção visual direta das estruturas internas de uma articulação. Em um conceito mais amplo, artroscopia também inclui a biópsia e outros procedimentos cirúrgicos realizados sobre o controle visual 5.
A artroscopia da ATM é uma técnica minimamente invasiva 7, 11, 16, 20 e menos agressiva e iatrogênica do que a artrotomia, ela permite um pós operatório melhor com um retorno precoce a função 10, 22.
As experiências com cirurgia cruenta na área intra articular da ATM não têm proporcionado resultados desejados, o relativo insucesso cirúrgico pode ser atribuídos a diversos fatores, pois os problemas são multifatoriais, envolvendo muitos componentes do sistema craniocervicomandibular 2.
Em 1975 Ohnishi descreveu a primeira técnica artroscópica da ATM4, 5, 12 , desde então inúmeros artigos publicados e o crescente desenvolvimento instrumental/técnico vem demonstrando o grande interesse pela técnica4.
A Artroscopia foi defendido recentemente como um procedimento terapêutico nos casos agudos, subagudos e as vezes na limitação crônica dos movimentos da ATM1, 18. Em um estudo realizado em 1988 pelo Comitê Especial da Artroscopia na Articulação Temporomandibular, foram avaliados mais de 3.000 pacientes e 4800 articulações. Os resultados indicaram que a técnica é altamente efetiva, segura para o diagnóstico e tratamento das patologias intra articulares da ATM8.
Em 1986, foi criado o Grupo Internacional de Estudos de Artroscopia da ATM, com a finalidade de unir os esforços dos pesquisadores e clínicos de todo o mundo, racionalizar e normatizar o uso da técnica. Assim concluiu-se: 1) a artroscopia constitui-se em passo à frente no diagnóstico e tratamento prévios da artrotomia; 2) o procedimento é menos invasivo do que a cirurgia aberta; 3) permite estudo em detalhes de certas áreas da ATM em melhores condições do que a artrotomia; 4) permite a inspeção de estruturas articulares num meio mais natural e a artropatia pode ser diagnosticada por visão direta, biópsia ou ambos; 5) recuperação e cicatrização mais rápida, devido ao menor trauma, comparada com a artrotomia9.

2-INDICAÇÕES:
Segundo OKESON15, a tentativa inicial de tratamento das desordens temporomandibulares deva ser primeiro uma terapia conservadora ou reversível e a consideração de uma terapia não conservadora ou irreversível deva ser considerada somente quando o tratamento conservador fracassar para resolver adequadamente o problema. E, portanto, todo o tratamento inicial deve ser conservador, reversível e não invasivo.
As modalidades de tratamento conservador incluem: ajustes oclusais, terapia farmacológica (analgésicos e antiinflamatórios), fisioterapia, termoterapia, estimulação elétrica transcutânea (TENS), uso de placas interoclusais etc. E o controle do estresse emocional deve ser instituído no início e deve perdurar por todo o tratamento quer seja cirúrgico ou conservador15.
A artroscopia diagnóstica pode ser indicada quando o tratamento conservador foi incapaz de eliminar a sintomatologia e quando a fonte principal da dor e disfunção for articular e não miálgica10 . A figura 1 retirada do livro de NORMAN & BRAMLEY13 (1990) ilustra a artroscopia da ATM.
As indicações para a artroscopia diagnóstica proposta pelo Internacional Study Club for the Advancement of Temporomandibular Joint são: dor inexplicada na ATM e na área pré auricular; confirmação clínica nos casos de hipomobilidade, hipermobilidade, estalos e crepitações; invasão tumoral local e envolvimento da ATM por doença sistêmica.
Segundo MOSES12, a artroscopia cirúrgica é uma importante terapêutica principalmente nos casos de deslocamento anterior do disco, WHITE22 relatou que a artroscopia cirúrgica no espaço superior da articulação através de distensão, lise de adesões, debridamento e lavagem apresentam resultados favoráveis a curto prazo, complicações mínimas e tempo de reabilitação reduzido.
Alternativas para a lise e lavagem artroscópica incluem a cirurgia aberta da ATM como a discectomia e condilotomia, na qual os resultados a longo prazo foram considerados bons. Porém, estes procedimentos são mais invasivos, requerem mais recursos e levam a um risco de complicações mais freqüentes3.
As indicações para a artroscopia cirúrgica proposta pelo Internacional Study Club for the Advancement of Temporomandibular Joint são: desarranjos internos ou artropatias refratárias a outras terapêuticas; doença articular que requeira biópsia; sinovite; adesões discossinoviais e doença articular degenerativa.
Como indicações específicas, temos : a) deslocamento anterior irredutível do disco, agudo ou crônico, através da liberação capsular anterior, lise de adesões, lavagem articular e manipulação discal; b) hipermobilidade que requeira lise, lavagem, redução discal e possível cauterização por eletrocautério ou escleroterapia da inserção posterior; c) desbridamento articular; d) tratamento da lesão capsular traumática, evidenciada por hermatrose, adesões ou fibrose9 .

3-INSTRUMENTAL E EQUIPAMENTO CIRÚRGICO:
3.1 O artroscópio:
O artroscópio consiste em um cilindro rígido composta por um sistema de lentes de maneira a projetar a imagem do alvo até o olho humano. A imagem pode ser visualizada diretamente através da objetiva do artroscópio bem como pode ser transmitida a um sistema de vídeo consistindo na Videoartroscopia2, 13, 17. A figura 2 mostra um artroscópio, retirado do livro de NORMAN & BRAMLEY13 (1990).
O artroscópio utilizado na região da ATM é resultado do refinamento dos do equipamentos utilizados na artroscopia do joelho, inúmeras são as marcas disponíveis no mercado criando uma variedade imensa5.
Os artroscópios possuem diversas angulações para permitir um correto posicionamento do instrumental na região intra articular2.
Acoplado ao artroscópio uma microcâmera com um sistema de iluminação pode transmitir a imagem artroscópica a um monitor de vídeo10.
3.2 Instrumental acessório:
Cânulas e trocartes, pinça de biópsia, sondas lisas e anguladas, tesouras, fórceps e agulhas para suturas artroscópicas17.
Uma seringa descartável (10 ml), solução fisiológica de Ringer 10, 12, 17, 22, um bisturi Park Davis n º 11e uma caneta dermográfica17.

4-TÉCNICA CIRÚRGICA:
Muitos autores defendem a anestesia geral2, 12, 20, outros a anestesia local5, 6. Os defensores da anestesia local argumentam que o pós-operatório é mais confortável ao paciente pelo bloqueio do nervo auriculotemporal e infiltração na região lateral da articulação com lindocaína/adrenalina 10mg/ml1.
Segundo TARRO20 o uso da anestesia geral facilita os procedimentos artroscópicos, enquanto ROMAGNOLI17, o uso da anestesia geral na artroscopia cirúrgica traz uma maior tranqüilidade ao paciente e na artroscopia diagnóstica pela simplicidade da técnica a anestesia local é suficiente.
Realizada a anestesia o paciente é depilado na região pré auricular e a área é isolada com um adesivo22, um algodão esterilizado é acomodado no conduto auditivo externo e faz-se então a assepsia e anti-sepsia da região2, 22.
A seguir a cavidade é expandida com solução salina isotônica adicionada com lindocaína 2 mg/ml5; xilocaína com vasoconstrictor (5ml)2; solução de Lactato de Ringer20,22.
A punctura inicial é realizada com um trocarte de ponta afiada até atingir a cápsula articular, depois é trocada por um trocarte de ponta romba para evitar danos aos tecidos envolvidos. Então o trocarte é removido e o artroscópio é introduzido realizando a artroscopia diagnóstica propriamente dita2, 12, 17, 20, 22.
A artroscopia diagnóstica é realizada com um único ponto de punção, onde uma única cânula e o artroscópio são introduzidos no espaço articular superior. A artroscopia cirúrgica requer a triangulação, através de dois pontos de punção e duas cânulas10.

5- COMPLICAÇÕES DECORRENTE DA TÉCNICA ARTROSCÓPICA:
No trabalho realizado por WHITE22 foi verificado uma pequena porcentagem de complicações (0,5%), dentro das complicações decorrente da técnica estão a quebra de instrumentais, parestesia do infraorbital e extravasamento do fluido articular. Em outro estudo realizado pelo Comitê Especial de Artroscopia da Articulação Temporomandibular da Associação Americana de Cirurgiões Maxilofaciais das 4.831 articulações analisadas pela artroscopia houve um índice de 4,4% de complicações. No estudo realizado por Simon Weinberg21, 81 pacientes foram avaliados, e 24 pacientes apresentaram uma redução sensorial ou motora após a artroscopia, 79 dos 81 pacientes apresentaram uma função normal do nervo facial um dia após a cirurgia artroscópica.
Uma rápida revisão da anatomia regional da ATM revela uma proximidade de várias estruturas anatômicas importantes, estão incluídas o nervo facial e auriculotemporal, artérias superficiais do temporal, conduto auditivo externo entre outras. Portanto qualquer procedimento realizado nas imediações da ATM requerem uma atenção e um pleno conhecimento na anatomia peculiar que envolve a ATM4.

6-CONCLUSÃO:
O conhecimento diagnóstico preciso tem possibilitado a adoção de condutas terapêuticas eficazes para as patologias que acometem a ATM, que até esse momento não eram possíveis de serem abordadas com sucesso pelas técnicas cirúrgicas tradicionais2.
A rápida recuperação de pacientes submetidos a artroscopia diagnóstica/cirúrgica2, 10, 14, 19, 22, associadas ao rápido desenvolvimento da pesquisa e tecnologia levarão a uma ampliação do universo da aplicação da artroscopia da ATM10, 17.

7-REFERÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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