Estatística Prática para Docentes
e Pós-Graduandos
de Geraldo Maia Campos
1. A primeira pergunta
A primeira pergunta que um estaticista faz ao seu
consulente e que este deveria estar apto a responder é esta:
Qual (ou o quê) é a sua variável?
Parece fácil, mas posso garantir, com base
em minha experiência pessoal de muitos anos, que poucos darão
uma resposta correta a essa indagação tão simples.
Alguns dirão coisas como esta: "Usei três marcas diferentes
de gessos, dois métodos diferentes de manipulação
e quatro proporções diferentes de água / pó"
ou qualquer coisa semelhante, que varia conforme o campo de atividade
do pesquisador.
Assim, na opinião do pesquisador do exemplo
acima, estaríamos diante de um experimento com três variáveis:
a marca do gesso, a técnica de manipulação e a proporção
água / pó. Porém, na verdade, nada disso constitui
a variável do trabalho em questão.
Mas é bastante comum que, quando o estaticista
diz isso ao seu consulente, este arregale os olhos de espanto.
A identificação da variável.
No entanto, a identificação da variável
deveria ser o primeiro passo na realização de qualquer trabalho
de pesquisa e de fato é, e todo pesquisador sabe perfeitamente
qual é essa variável. Todavia, a sua falta de vivência
estatística geralmente impede que ele a identifique como tal. Falta-lhe
um roteiro lógico, um caminho bem definido, uma orientação
clara, que ele possa seguir, sabendo perfeitamente o que faz e por que
faz.
O planejamento estatístico de uma pesquisa
deve delinear-se quando ainda na fase de elaboração do projeto
de pesquisa (ou do plano de trabalho), pois já nesse momento o investigador
deve pensar sobre qual tratamento estatístico aplicará futuramente
aos seus dados experimentais, para conseguir resultados, tirar conclusões,
e obter respostas às indagações iniciais que motivam
e justificam a realização dos seus experimentos.
Voltando à pergunta inicial, é bem
provável que o consulente só entenda a pergunta de seu conselheiro
estatístico quando este a reformular e indagar: Afinal, o que foi
que você mediu (ou contou, ou pesou, ou qualquer coisa do mesmo gênero)?
Então, considerando ainda o mesmo caso dos
gessos que estamos tomando como exemplo, o pesquisador dirá categoricamente:
"Eu medi a dureza dos corpos-de-prova de gesso, construídos com
cada marca de gesso, cada técnica de manipulação e
cada proporção água / pó!".
Eis aí, finalmente, a verdadeira variável
do experimento: o grau de dureza dos corpos-de-prova de gesso! A sua variável
é portanto precisamente aquele elemento que permite a comparação
entre todas as combinações possíveis das marcas de
gesso, técnicas de manipulação e proporções
de água/pó utilizadas na pesquisa.
A variável única e o denominador comum.
A variável do experimento, portanto, tem necessariamente
de ser única, porque só assim poderá servir como um
denominador comum no confronto entre tudo aquilo que se deseja comparar
numa pesquisa, seja ela qual for.
Mas o que vem a ser um denominador comum? Apesar
de ter jurado que não falaria em Matemática neste curso,
vou responder a essa pergunta com outra pergunta, de ordem puramente aritmética:
qual das duas frações abaixo representa a grandeza maior?
E agora, entre as duas novas frações
abaixo, qual seria a de maior grandeza ?
Agora sim, tomou-se muito fácil garantir que
a segunda fração é maior do que a primeira, mesmo
que os números envolvidos no segundo exemplo sejam muito maiores
que os do primeiro e isso sem precisar fazer mais do que um simples exame
visual das duas frações.
Mas... por que seria assim?
Na verdade as duas frações do primeiro
conjunto são exatamente iguais às duas frações
do segundo conjunto. A única diferença é que, neste
último, as frações foram reduzidas ao mesmo denominador,
calculando-se o seu denominador comum, uma tarefa matemática elementar,
que aprendemos no curso primário, ao estudarmos frações
ordinárias.
A variável de um experimento é pois
o denominador comum ou seja, o termo de comparação que
permite cotejar seja lá o que for que queiramos comparar. Por isso
tem de ser única ou então cairíamos no caso do primeiro
conjunto de frações ordinárias mostrado em nosso exemplo
matemático, em que os denominadores são diferentes.
Fatores de variação.
Muito bem, mas se, na pesquisa sobre gessos que estamos
adotando como exemplo no presente capítulo, a variável é
a dureza dos corpos-de-prova, o que seriam afinal as marcas de gesso, as
técnicas de manipulação e as proporções
água / pó? É evidente que tudo isso é importante,
ou não seria considerado na pesquisa.
Na verdade, são exatamente esses fatores
que fazem com que a variável dureza realmente varie. São
portanto fatores de variação.
Os fatores de variação, ao contrário
da variável, podem ser múltiplos, não havendo teoricamente
um limite para o seu número. A experiência, porém,
bem como o bom-senso que costuma dela advir, aconselha que esse número
não deva ser superior a três, e a razão disso será
analisada quando se falar sobre algo muito importante em Estatística,
que são as interações entre os diversos fatores de
variação.
Os dois primeiros passos.
Resumindo o que foi dito até agora, podemos
finalmente indicar os dois primeiros passos a serem dados na preparação
da análise estatística dos dados experimentais de uma pesquisa,
seja esta qual for, esteja ela ainda na fase inicial de planejamento, ou
já no seu final, com todos os experimentos realizados e todos os
dados experimentais obtidos e convenientemente anotados nos protocolos
elaborados para o registro das observações.
Esses dois passos iniciais são:
1º passo - Identificação da variável,
2º passo - Identificação dos fatores de variação.
As repetições (ou réplicas).
Contudo, esses dois elementos variável e
fatores de variação não são os únicos
que devem ser definidos logo no início de um experimento. Há
ainda outro, de capital importância, que muitas vezes constitui uma
verdadeira dor de cabeça para o pesquisador: o número de
repetições (ou réplicas) a ser adotado nos experimentos.
Aliás, é preciso dizer que uma das
indagações que os estaticistas mais ouvem de seus consulentes,
tanto de pesquisadores, como de pós-graduandos, e até mesmo
dos orientadores destes, é esta: qual o número ideal de repetições
num experimento, para tornar confiáveis os resultados e sua interpretação
estatística ?
Pois bem, vamos responder com a mais absoluta certeza
e segurança a essa pergunta: não existe tal número
ideal de repetições! Nesse caso, dirão os leitores
deste texto, completamente atônitos e decepcionados, o que determinaria
qual o número de repetições a ser adotado num experimento?
A resposta a esta reformulação da
mesma pergunta será dada mais adiante, e não agora, a esta
altura deste curso, pois na verdade ainda há muita coisa importante
a ser comentada, antes de chegarmos a esse detalhe. Um detalhe, aliás,
importantíssimo, como se verá mais à frente, porque
sem repetições é muito provável que a Estatística,
tal como a conhecemos hoje, nem sequer existisse...! |