Uma breve história dos métodos de estudo de anatomia interna dos dentes humanos

Endodontics - Endodoncia

Prof. Dr. Jesus Djalma Pécora
Prof. Titular de Endodontia da FORP-USP
pecora@forp.usp.br

Introdução / Tec. Prinz / Tec. Okumura / Métodos / Referências

INTRODUÇÃO

O estudo da anatomia interna dos dentes humanos só começou a dispertar interesse dos pesquisadores após o avanço da Endodontia, no final do século passado. À medida que a Endodontia evoluiu e foi capaz de tratar dentes que anteriormente eram condenados à avulsões, os investigadores tiveram suas atenções voltadas para o estudo da anatomia interna dos dentes.

À medida que se estudava e aumentava o conhecimento da anatomia dos dentes, verificou-se o quanto era complexo o sistema de canais radiculares. Essa revelação fez com que os que se dedicavam à Endodontia procurassem desenvolver técnicas mais aprimoradas para a instrumentação, irrigação, desinfecção dos canais radiculares, bem como novos materiais para a obturação hermética dos canais.

No início das investigações científicas as dificuldades foram muitas, pois os cientistas tiveram que criar métodos para o estudo da anatomia interna dos dentes. O estudo da anatomia externa não oferece dificuldade, pois o método mais utilizado é o da simples observação. O mesmo não acontece com o estudo da anatomia interna, pois o dente é opaco e, assim criou-se vários métodos para estudar o interior do dente.

O leitor poderá imaginar o quanto foi trabalhosa as primeiras investigações sobre a anatomia interna e, ainda hoje, faz-se necessária a busca de novos métodos para tornar esse estudo cada vez mais representativo da realidade.

Em 1901, Preiwerk introduziu o método de injeção de metal fundido no interior da cavidade pulpar, que após solidificação do metal, podia evidenciar a anatomia interna dos dentes. Após a solidificação do metal, os dentes eram submetidos à completa descalcificação por meio de ácido nítrico ou clorídrico concentrado. Obtinha-se desse modo, um modelo metálico da anatomia interna do dente.

Com o decorrer do tempo, esse método sofreu várias modificações quanto ao material que era utilizado para se injetar na cavidade pulpar. Assim, em 1908, Ficher preconizou o uso de celulóide dissolvida em acetona; Hess (1917) idealizou a injeção de borracha líquida e sua posterior vulcanização no interior dos dentes. Mais recentemente, Favieri et al (1986), Fidel (1988) e Fröner (1992) preconizaram a injeção de uma resina no interior dos dentes (poliacetato de vinila ou a resina de poliester), para se obter o modelo da anatomia interna dos dentes. Em todos esses métodos, o ácido clorídrico ou o nítrico são utilizados como agentes descalcificantes.

Em 1909, Loos realizou estudo topográfico das cavidades pulpares por meio do método de desgaste. Esse método também foi utilizado por Pucci & Reig (1944).

Herman Prinz (1913) aplicou com sucesso o método de diafanização proposto por Spaltholz (1906).

Okumura (1918 e 1927) realizou exaustivo estudo sobre a anatomia interna dos dentes humanos com a técnica da diafanização e foi o primeiro a classificar os canais radiculares de acordo com sua distribuição anatômica. Para tornar fácil a visualização da anatomia interna do dente no processo da diafanização, o autor utilizou a injeção de tinta Nanquim no interior da cavidade pulpar.

Okumura relatou que o método da diafanização dos dentes humanos apresentava as seguites vantagens:

a) conserva a forma original das raízes;

b) possibilita a observação de pequenas alterações existentes nos canais radiculares;

c) é um método que reduz as possibilidades de falhas e

d) os dentes diafanizados podem ser conservados por muito tempo.

O método de diafanização dos dentes para o estudo da anatomia interna foi e, ainda é, muito utilizado (De Deus, 1960; Hasselgreen & Tronstad, 1975; Robertson et al., 1980; Pécora et al 1986, 1990, 1992).

Em 1933, Mueller propôs o método radiográfico para estudo da anatomia interna dos dentes. Tanto o método radiográfico como o de desgaste não permite uma visão tri-dimensional do dente em tela. O método radiográfico foi empregado por vários pesquisadores e, dentre eles, podemos citar Baker & Parson (1969), Pineda & Kuttler (1970) e Harrison (1977).

Barret (1925) e Cooldge (1929) estudaram a anatomia interna dos dentes por meio de cortes histológicos seriados. Esse método é muito oneroso, pois é necessário fazer muitas lâminas.

Dos métodos utilizados para o estudo da anatomia interna, o da diafanização é muito prático, fácil e econômico.

Citaremos aqui várias técnicas de diafanização de dentes que foram utilizadas. Todas elas são de fácil execução e podem ser realizadas sem a necessidade de grandes e complexos laboratórios.

Técnica de diafanização proposta por Spaltehelz (1906) e aplicada na Odontologia por Prinz (1913):

Os passos são os seguintes:

1) Fixação da peça em formol a 10% durante de 2 a 5 dias.

2) Descalcificação das peças em ácido clorídrico a 2%.

3) Lavagem da peça em água corrente até total remoção do ácido.

4) Colocar a peça em solução diluída de peróxido de hidrogênio por uma ou duas horas.

5) Lavagem em água corrente.

6) Desidratação da peça em uma bateria de álcool ascendente.

7) Diafanização inicial em benzol ou xilol.

8) Diafanização final em solução de salicilato de metila (5 partes) misturada com uma solução de isosafirol (3 partes).

Prinz (1913) diafanizou mandíbulas humanas por esse método e, para evidenciar o canal do nervo alveolar inferior, utilizou gelatina colorida.

Técnica de diafanização proposta por Okumura (1918) modificada por Aprile (1947):

Essa técnica baseia-se nos seguintes passos:

1) Perfura-se o dente até encontrar a câmara pulpar.

2) Imergir o dente em antiformina durante oito horas. Esse produto compõe-se das soluções A e B, que deverão ser misturada na ocasião de uso:
 

Solução A
Solução B 
Carbonato de sódio 15 g

Hipoclorito de cácio 8 g

Hidróxido de sódio 15 g

Água 100 ml

3) Lavar a peça durante 48 horas em água corrente.

4) Desidratar em solução de acetona pura durante 6 horas.

5) Imergir a peça em tinta nanquim à 60 graus centígrados durante seis horas.

6) Colocar solução de gelatina a 10% no nanquim e deixar a peça nessa solução por mais duas horas.

7) Secar o dente, expondo-o no ar por 48 horas.

8) Descalcificar o dente em solução de ácido nítrico a 6%.

9) Após a descalcificação, lavar a peça em água corrente por 48 horas.

10) Imergir a peça em solução de formol a 10% durante seis horas.

11) Imergir o dente em ácido fênico a 90% até obter a transparência.

12) Conservar o dente diafanizado em salicilato de metila.

A execução de todos os nossos trabalhos sobre o estudo de anatomia interna dos dentes humanos foram realizados por meio de uma ligeira modificação nas técnicas apresentadas, de modo a torná-la mais fácil. A diafanização pode ser realizada com salicilato de metila ou com resina de bisfenol A e, ainda, com resina de poliéster.

Métodos de diafanizações

Materiais necessários: dentes, solução de hipoclorito de sódio a 3 ou 5%, álcoois 75, 85, 96 e 100%, gelatina incolor (gelatina de uso domético), tinta nanquim, ácido clorídrico a 5%, vidrarias e um agitador magnético. 1) Pegar os dentes separados para diafanização e preparar as cavidades endodônticas e localizar os canais radiulares.

2) Colocar os dentes em um recipiente contendo hipoclorito de sódio a 3 ou 5%, de modo a ficarem em agitação constante. Essa solução deve ser trocada a cada 24 horas. A função do hipoclorito é dissolver restos de polpa presentes no interior dos canais radiculares. O tempo necessário para ocorrer toda a solvência de tecido pulpar varia de dente para dente, mas fica entre 3 a 5 dias.

3) A seguir, os dentes são lavados em água corrente por 4 horas e depois são colocados em um recipiente contendo ácido clorídrico a 5% e mantidos em agitação constante, com auxílio de um agitador magnético. A solução ácida deve ser trocada a cada 24 horas. A descalcificação deve ser observada de tempos em tempos. A agitação constante favorece e acelera o processo de descalcificação. O dente estará satisfatoriamente descalcificado quando ele fica flexível ao ser tocado e emite um som surdo quando jogado sobre uma superfície metálica.

Veja também  o  novo método de descalcificação magnetrônica

4) Concluída a descalcificação, os dentes devem ser lavados em água corrente por 12 horas com o objetivo de se eliminar todo traço da solução ácida.

5) Após a fase de lavagem, os dentes são colocados em uma bateria de álcool ascendente, que deverá ser de 75, 85, 96 e 100% Os dentes devem permanecer por 4 horas em cada álcool.

6) Após a desidratação, os dentes devem receber em seus canais radiculares a injeção de gelatina colorida com tinta nanquim.

Preparo da gelatina com tinta nanquim:

a) Usar um pacote de gelatina incolor (12 gramas) e dissolvê-lo em 50 mililitros de água gelada e, a seguir, adicionar 250 mililitros de água à temperatura ambiente.

b) Levar a gelatina ao aquecimento, sob agitação constante, até sua completa dissolução.

c) Deixar a solução de gelatina esfriar.

d) Após o esfriamento da solução, adicionar 20 mililitros de tinta nanquim de cor preta. Usar tinta nanquim de boa procedência, pois caso contrário ela poderá manchar os dentes.

e) Colocar a solução colorida em um recipiente com tampa e levar à geladeira para a gelificação.

Após completa gelificação, a gelatina deve ser colocada em tubetes de anestésicos vazios, que, após preenchidos, devem ser colocados em uma seringa tipo carpule dotada de uma agulha curta sem bisel. A seguir, o tubete pode ser ligeiramente aquecido para que a gelatina fique um pouco liquefeita e, desse modo, possa atravessar a agulha sem dificuldade.

Desse modo, a gelatina pode ser colocada no interior do canal radicular.

Após concluir a etapa de injeção da gelatina colorida, os dentes devem ser levados novamente ao recipiente que contem álcool absoluto, por mais quatro horas.

Decorrido esse tempo, os dentes devem ser removidos do álcool e secados com uma toalha de papel absorvente e, a seguir, colocados no agente diafanizador, que no caso pode ser o salicilato de metila.

Salienta-se que a descalcificação pode ser realizada com ácido nítrico a 5%, porém esse ácido deixa o dente com uma coloração muito amarelada.

O ácido fórmico a 5% e a solução fórmico-citrato de sódio são excelentes descalcificadores, porém o processo de descalcificação é muito lento.

A opção pelo ácido clorídrico foi estabelecida após muitos testes com os demais ácidos. Este ácido promove a descalcificação em um tempo razoável e deixa o dente com a coloração mais próxima do normal.

A diafanização de dentes humanos pode ser realizada por meio da resina de bisfenol A (Pécora et al. 1985) ou por meio da resina Resapol T 208 (Pécora et al. 1993). As resinas fenólicas promovem diafanização dos dentes e permitem suas inclusões em blocos transparentes, facilitando suas manipulações.

A vantagem da diafanização com resina e a confecção de blocos transparentes à diafanização com o salicilato de metila, é que aquela não apresenta o odor desagradável e tóxico deste último produto.

Todo o processo de descalcificação e desidratação é semelhante tanto para o salicilato de metila como para as resinas.

Nos casos de diafanização com resina, após a descalcificação, desidratação e a injeção da gelatina colorida, os dentes são imersos na resina e submetidos a 25 libras de pressão. O conjunto dentes/resina é mantido sobre pressão até sua total diafanização. Uma vez diafanizados, pode-se preparar os blocos transparentes da mesma resina, que é feito do seguinte modo:

Pega-se 50 mililitros de resina e adiciona-se três gotas do catalisador e, após isto, homogeneiza-se a mistura. A seguir, verta o produto em forminhas de gelo de modo a formar uma base que sustentará o dente. A seguir, a forma de gelo com a resina é levada ao interior de um recipiente e submetido a 25 libras de pressão. Após a polimerização da base de resina, coloque o dente e verta sobre ele nova quantidade de resina preparada com catalisador. O conjunto deve ser levado ao recipiente e submetido à pressão de 25 libras. Após a polimerização, remova a pressão e retire o bloco de resina que contém em seu interior o dente diafanizado.

O recipiente utilizado para colocar pressão nada mais é do que uma panela de pressão que foi adaptada para esse fim. Para melhor compreensão do método, recomendamos a leitura dos trabalhos de Pécora et al (1993) e Pinheiro Júnior et al (1994).

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